O dia em que conheci Chico Chicaia

Fátima Lopes // Outubro 22, 2018
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Conheço a Comunidade Vida e Paz há mais anos do que aqueles em que sou apresentadora. O pai da minha filha Beatriz foi diretor do Centro da Tomada, na Venda do Pinheiro, e eu habituei-me a ouvir as múltiplas histórias de quem vivia na rua. Num dos Natais estive presente na ceia, assim como nos primeiros passos do Centro Espírito Santo, outra valência da comunidade. Fiquei sempre com um carinho muito grande por esta instituição, porque conheci alguns rapazes e homens que conseguiram ali refazer as suas vidas.

A história do Armindo, mais conhecido por Chico Chicaia.

A Comunidade é feita por uma rede valiosa de voluntários que, além dos bens de primeira necessidade, procura ouvir e acarinhar quem está na rua. E, foi nessas rondas que ouviram o Armindo,  falar repetidamente de mim. O Armindo, conhecido por “Chico Chicaia”, tem 57 anos e é natural de São Tomé e Príncipe. Diz ter uma irmã que reside em Portugal, mas vive na rua há vários anos. Muitos dos pormenores da vida de Chico eram – e ainda são – desconhecidos e divergentes. O Chico adora cantar, intitulando-se por vezes de Júlio Iglésias. Nas canções que “inventa” geralmente aparece o meu nome e foi assim que os voluntários perceberam o grande carinho que nutre por mim. Tentaram várias vezes que saísse da rua, mas o Chico não queria. Lembraram-se então de me desafiar a ir conhecê-lo e a tentar que aceitasse experimentar uma outra vida, onde trocasse a rua por uma residência, ainda que temporária. Porque não, pensei eu? A esperança é a última a morrer e eu acredito sempre que o dia de amanhã será melhor que o de hoje. Decidi então ir conhecê-lo.

O dia em que conheci Chico Chicaia.

Passava das 20 horas quando me encontrei debaixo do viaduto de Santa Apolónia, em Lisboa, com Nuno, um dos voluntários. A cerca de duas centenas de metros dali, na outra extremidade do viaduto, estava Chico, devidamente acompanhado por outros três voluntários. Chico sofre de uma demência ainda não identificada pelo que nem sempre é fácil distinguir o que é verdade no seu discurso.

Quando lhe disseram que eu estava ali perto, Chico agarrou na mochila e veio ao meu encontro. Assim que ouviu a minha voz, sorriu e deu-me um prolongado e sentido abraço.

O nosso primeiro encontro foi verdadeiramente emocionante.

Fui falando tranquilamente e ganhando a sua confiança. Quando o desafiei a começar do zero e a abandonar o buraco escuro onde costumava dormir, Chico não hesitou.

Seguiu-se uma viagem até ao centro de acolhimento temporário, onde Chico deveria dar entrada. Uma viagem feita ao som da música do Chico e de confidências relacionadas com a família e com o seu passado. À medida que os minutos foram passando, Chico pareceu acalmar-se e o discurso foi-se tornando mais fluente e mais claro. Estava feliz.

Acompanhei Chico ao albergue onde já estivera duas outras vezes. Voltámos a trocar um forte abraço, antes de nos despedirmos com um “até breve”.

Uma experiência inesquecível pela qual me sinto grata.

No dia seguinte, as boas novas continuaram. Fonte da Comunidade Vida e Paz contactou-nos para nos indicar que Chico tinha já sido encaminhado para o Centro de Acolhimento da Santa Casa da Misericórdia, onde permaneceria alguns dias, até ser colocado no Centro de Acolhimento de Alcântara, onde já deu início ao processo de avaliação física e psicológica, e onde o espera um acolhimento longo e permanente. Assim Chico o continue a desejar… A mim encheu-me a alma de gratidão. Obrigada Chico.

Nota: Fotografia por Verónica Silva.

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