E quando não existe conexão entre o casal?

Cláudia Morais // Julho 11, 2022
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A conexão emocional é essencial numa relação amorosa. É aquilo que nos faz querer ficar na relação quando a ativação fisiológica da paixão desaparece, é aquilo que permite que olhemos para a pessoa que está ao nosso lado como “a tal”, aquela que nos faz genuinamente sentir em casa. Constrói-se de forma gradual e também desaparece de forma gradual. E é precisamente por isso que tantos casais dão por si em crises conjugais sem conseguirem perceber exatamente de onde surgiu tanta distância emocional.

Quando a pessoa que escolhemos chega – do trabalho, do ginásio, do supermercado ou de outro sítio qualquer – como é que reagimos? Quando ele(a) está triste, com medo ou vulnerável, respondemos com atenção, afeto e empatia, ignoramo-lo(a) ou, pior, desprezamos os seus sentimentos? E quando se queixa? Assumimos uma postura defensiva ou procuramos realmente perceber o que o(a) incomoda?

O professor John Gottman, um investigador que trabalha há mais de 40 anos na observação de casais, refere-se aos “Momentos portas deslizantes” (sliding doors moments) como essenciais para construir ou destruir a conexão emocional num casal. O que são estes momentos? São as pequenas situações do quotidiano em que precisamos de uma resposta agradável da pessoa que amamos. Está a ver as portas do metropolitano? Há um momento em que elas se fecham e perdemos, literalmente, o comboio. Também é assim com estes momentos: ou nos envolvemos, respondendo com atenção, empatia e afeto, ou perdemos aquela oportunidade de alimentar a conexão conjugal.

Imagine que está sentado(a) em frente à televisão num domingo à noite. É o dia da final do seu programa preferido e você está muito entusiasmado(a) com a possibilidade de ter (finalmente) um momento de relaxamento sem interrupções que lhe permita recarregar baterias para a semana de trabalho. Minutos antes de o programa começar, o(a) seu(sua) companheiro(a) diz-lhe que se sente nervoso(a), mas não sabe muito bem porquê. O que é que você faz? Diz-lhe para ter calma e que isso são coisas da sua cabeça? Pede-lhe para conversarem sobre isso noutra altura? Ou desliga a televisão e oferece a sua atenção plena para que a pessoa de quem gosta possa falar abertamente sobre o que possa estar por detrás daquele nervosismo? E que escolha traduz os seus valores, aquilo que quer para a sua relação? 

A maior parte de nós sabe o que quer para a própria relação e a maior parte de nós valoriza a conexão emocional. Então, por que nos distraímos? 

Porque é que há momentos em que as nossas escolhas são tão diferentes dos nossos valores? E o que é que podemos fazer para que os nossos comportamentos estejam alinhados com as nossas intenções?

Os perigos do piloto automático

Perder a oportunidade de entrar numa carruagem do metro não é particularmente grave. À partida, sabemos que virá outro comboio e acabaremos por chegar aonde queremos. A menos que estejamos aflitos, com pressa. Nesse caso, prestamos muita atenção às nossas escolhas e agarramos a oportunidade. Também é assim com as nossas relações. À medida que o tempo passa, que a paixão se desvanece e, com ela, a urgência de atender a todas as necessidades da pessoa que amamos, é fácil entrar no piloto automático e deixar de prestar tanta atenção aos seus apelos. Enchemo-nos de afazeres, tentamos dar resposta a mil e um papéis e distraímo-nos com assuntos que comprovadamente pouco acrescentam ao nosso bem-estar ou à qualidade das nossas relações, mas que nos oferecem momentos de felicidade instantânea e passageira. 

Quando a pessoa de quem gosta chega a casa, o que é que você faz? 

Cumprimenta-o(a) com um sorriso, um beijo demorado e um abraço? Ou desvia o olhar do telemóvel durante meio segundo? Como é que mostra que ele(a) é importante para si, que está feliz por ter chegado a casa e que sente genuíno interesse pelo que tem para contar?

Quando viajam juntos e a pessoa que ama resmunga qualquer coisa como “Já viste a travagem brusca que o condutor da frente fez?”, responde de forma empática ou critica-o(a) dizendo que ele(a) tem é de se concentrar na sua condução?

Todos os dias há centenas de apelos, de pedidos de atenção a que podemos responder de formas mais ou menos empáticas. 

Todos os dias há vários “momentos portas deslizantes”. Alguns são facilmente identificáveis, outros não. Alguns são fáceis de atender, outros não. Todos representam oportunidades para construir ou destruir a conexão emocional do casal. Estatisticamente, sabemos que os casais felizes respondem com atenção, empatia e afeto a mais de 80% destes momentos. Quando este rácio diminui, começamos a sentir-nos tristes, sós, desamparados. E quando isso acontece, tendemos a mostrar-nos mais irritáveis e impacientes. É quase sempre assim quando as nossas necessidades não são atendidas. E entretanto damos por nós em círculos viciosos porque somos inundados por pensamentos como:

“Eu não sou bom/boa o suficiente.”

“Não adianta ter esta conversa, então é melhor desistir.”

“Se eu me mostrar vulnerável, vou acabar por sentir-me rejeitado(a).”

Claro que estas “histórias” que vamos construindo na nossa mente não têm só a ver com a forma como o(a) nosso(a) companheiro (não) responde aos nossos apelos. Também têm a ver com a nossa bagagem emocional, com experiências de rejeição e de abandono na nossa infância.

O poder da compaixão e da atenção

É muito importante que aceitemos que nem sempre vamos conseguir que os nossos valores se traduzam de forma clara nos nossos comportamentos. Somos humanos, somos falíveis e não estamos sempre “presentes”. Mas há algumas escolhas que podemos fazer e que aumentam muito a probabilidade de nos sentirmos seguros e conectados à pessoa que está ao nosso lado.

Uma dessas escolhas é precisamente a atenção e a curiosidade em relação aos nossos sentimentos. Alguns de nós cresceram com adultos pouco disponíveis do ponto de vista emocional e, por isso, estamos menos habituados a identificar e gerir sentimentos. Às vezes, é simplesmente mais fácil reprimir emoções, sobretudo quando se trata de emoções desagradáveis como a tristeza, o medo, a vergonha ou a raiva. Mas a ciência mostra-nos que o reconhecimento destas emoções está diretamente relacionado com o nosso bem-estar e com a capacidade para construirmos relações saudáveis. Olhar com curiosidade para estes sentimentos também pode levar-nos a identificar os momentos em que nos sentimos “inundados” pela ativação fisiológica. Estes momentos traduzem-se normalmente de duas formas – ou “afiamos as nossas garras”, prontos para lutar com o(a) nosso(a) companheiro(a), ou nos fechamos na nossa concha, erguendo muros de silêncio. Costumo dizer que quando isto acontece, os nossos sentimentos já não têm tanto a ver com o(a) nosso(a) companheiro(a) e têm mais a ver com a nossa bagagem. Quando, em vez de dizermos a nós mesmos coisas como “Eu não devia estar a sentir isto”, respondemos com compaixão em direção a nós mesmos e aceitamos que nem sempre conseguimos processar os sentimentos como gostaríamos, começamos a criar espaço para que os sentimentos sejam geridos.

“O que é que eu quero para a minha relação?”

Outra das escolhas que podemos fazer é dedicar alguma atenção às nossas intenções. “O que é que eu quero para a minha relação?” é um bom ponto de partida. Listar as nossas intenções não é listar os nossos desejos, como se estivéssemos sentados à espera de um milagre. Por exemplo, se dou por mim a reparar que da minha lista de intenções faz parte a generosidade, posso perguntar: “O que é que eu posso fazer para cultivar a generosidade na minha relação?”. Sim, há sempre alguma coisa que podemos fazer – todos os dias. Posso cultivar a generosidade quando o meu marido não responde a um dos meus apelos e eu dou o benefício da dúvida em vez de achar que ele está a ser mau para mim de forma consciente e propositada. Posso cultivar a generosidade quando abdico de fazer alguma coisa de que gosto “só” para lhe dar atenção. Posso cultivar a generosidade quando ofereço espaço para que ele faça coisas de que gosta sozinho.

Cultivar a conexão emocional na nossa relação inclui: 

  • Prestar muita atenção aos próprios sentimentos e aos sentimentos da pessoa que amamos;
  • Responder com afeto e tolerância aos seus apelos, em vez de os ignorarmos ou desprezarmos;
  • Tentar compreender os sentimentos e identificar as necessidades emocionais envolvidas;
  • Assumir uma postura não-defensiva (nem tudo é sobre nós);
  • E mostrar empatia (sentir a dor do outro).

Que balanço faz da forma como está a sua relação? 

Sente-se seguro(a) com as suas escolhas? Tem reparado nos “momentos portas deslizantes”? Ou têm-lhe escapado? Tem conseguido mostrar-se vulnerável quando o(a) seu(sua) companheiro(a) falha? Ou diz a si mesmo(a) que não vale a pena?

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