Eu, tu e nós

Cláudia Morais // Fevereiro 14, 2018
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À medida que celebramos aniversários de casamento pode parecer que sobram cada vez menos sonhos por concretizar. Mas, isso só é verdade se nos deixarmos adormecer. O que importa é que eu, tu e nós continuemos a sentir-nos vivos.

“Todos os dias me pergunto como é que chegámos aqui. Quarenta anos não são para qualquer um. Ainda para mais, assim, com a sensação de que se a vida voltasse atrás era com ele que escolhia casar outra vez. Não tenho muitas certezas sobre os segredos deste casamento. Até digo, meio a brincar, que só estamos juntos porque nunca quisemos o divórcio ao mesmo tempo. Se houve tempos difíceis? Claro que houve! Tantos. Houve muitas alturas em que perguntei: «Onde é que eu estava com a cabeça quando casei com este homem?». Houve instantes em que tive vontade de largar tudo e começar do zero. E, o Zé também. Quando calçava os ténis e saía para correr depois de um dos nossos arrufos, calculo que se interrogasse se valeria a pena continuar ao meu lado. Ainda bem que escolhemos sempre ficar. Gosto tanto de nós. Gosto do Zé sem “mas”. Sei de cor os seus defeitos, os hábitos irritantes e as manias que não hão de mudar. Continuo a zangar-me com muitas destas coisas. Mas, gosto tanto de nós. Gosto do casal de namorados que fomos, daquilo em que nos tornámos e do casal que sonhamos ser quando formos (ainda mais) velhinhos. Tivemos sempre planos e desviámo-nos deles algumas vezes para sonhar noutra direção. Hoje continuamos a ter sonhos – individuais e a dois – e sabemos que é isso  que nos faz sentir vivos. Nem sempre foi fácil conciliar vontades. Mas, talvez tenham sido precisamente as nossas lutas e a busca que cada um foi fazendo pelas novidades que poderiam trazer mais felicidade que trouxeram mistério e adrenalina a esta relação. Não sei como teria sido se tivéssemos estado sempre de acordo. Sei, isso sim, que não existiria um “nós” se não tivéssemos percebido a tempo quão importante é ceder e fazer alguns sacrifícios quando o que está em causa é a possibilidade de concretizar sonhos.”

Maria

Quase todas as pessoas que conheço acreditam que a sua felicidade passa por viverem um amor que acreditem que possa ser para a vida toda e a maior parte do meu trabalho é feita com casais que quase sempre se sentem aflitos perante a possibilidade de o amor que um dia acreditaram que pudesse ser para sempre acabar, afinal, a meio. Sei bem que não é fácil gerir todos os desafios que estão associados à longevidade de um relacionamento interpessoal como o de um casamento. Mas, é precisamente por reconhecer que não há nada mais gratificante na vida do que os laços que construímos que todos os dias me sinto grata pela possibilidade de ajudar a reconstruir amores desavindos.

Nenhuma história se repete.

É preciso olhar com atenção para cada uma das pessoas e tentar perceber aquilo que as faz genuinamente felizes. Às vezes também é preciso ajudá-las a fazer essa busca interna. Afinal, nós achamos sempre que sabemos aquilo de que precisamos, mas aquilo que tantas vezes nos apetece – e pelo qual lutamos – tem subjacentes necessidades mais profundas de quem nem sempre damos conta. E, quando reparamos naquilo de que precisamos é tempo de o mostrar à pessoa que está ao nosso lado de maneira a que ela nos conheça e nos ajude, como só alguém que ama pode ajudar, a correr atrás dos nossos sonhos. E, é precisamente quando damos por nós a mover céu e terra para fazer feliz a pessoa que está ao nosso lado que temos a certeza de que o nosso amor é verdadeiro.

À medida que o tempo passa e o desejo que um dia sentimos de forma visceral se transforma na serenidade confortável que também ambicionámos podemos dar por nós a repensar todas as escolhas. Será que fui feito(a) para estar casado(a)? Será que tu me amas como preciso? Serei capaz de te amar sempre da mesma maneira? Será este “nós” suficiente?

A maior parte dos casais felizes que conheço têm mais ou menos a mesma dose de solidez e de inovação. Têm em comum quase sempre um conjunto de valores e de sonhos em comum, que os levam a definir com clareza e honestidade o rumo que querem para a sua relação. Mas, isso está muito longe de querer dizer que o “nós” roube espaço para o mistério. A capacidade de continuar a prestar atenção ao que mexe com cada um – e a aceitação de que o “eu” também vai mudando ao longo da vida – é essencial ao sucesso de qualquer relação.

Nada está garantido

Da mesma maneira que há uma sensação única de frescura e bem-estar quando iniciamos uma relação, a que está associada a novidade, a descoberta e a possibilidade de sonhar, é preciso que cada um de nós faça o que estiver ao seu alcance para que haja sempre sonhos por que lutar, acontecimentos novos a descobrir e – porque não? – algum mistério. De cada vez que um dos membros do casal explora uma vontade individual e luta por um objectivo, não está só a lutar pela sua felicidade. Está a introduzir vivacidade e inovação à relação. Há qualquer coisa de atraente associada à novidade e aos laços novos que se constroem. É como se o facto de nos darmos conta de que a pessoa que está ao nosso lado continua a “mexer-se” e a lutar pelo que a faz feliz nos lembrasse que nada está garantido e que é preciso prestar mesmo muita atenção à nossa relação.

Sonhar e viver a dois

Por outro lado, não há nada mais revigorante do que a possibilidade de sonhar a dois. À medida que celebramos aniversários de casamento pode parecer que sobram cada vez menos sonhos por concretizar. Mas, isso só é verdade se nos deixarmos adormecer. Às rotinas – boas e más -, aos cheiros de todos os dias, às obrigações (tantas!) e à segurança que só uma relação duradoura nos proporciona é sempre possível acrescentar a vontade de experimentar qualquer coisa pela primeira vez a dois. Hoje pode ser uma viagem, amanhã uma aula de dança ou pura e simplesmente a possibilidade de experimentar um prato novo. O que importa é que eu, tu e nós continuemos a sentir-nos vivos.

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