Não tenha medo de mim!

Fátima Lopes // Abril 15, 2021
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Viajei recentemente a Madrid, em trabalho, e a experiência de passar por aeroportos e viajar de avião foi, no mínimo, muito estranha. Não pelas regras de segurança, porque a essas adaptamo-nos facilmente depois de mais de um ano de pandemia. Não por todas as exigências burocráticas, que uma vez mais, são fáceis de entender, como, por exemplo, o comprovativo de resultado negativo ao teste da COVID-19 e o preenchimento de um inquérito para entregar em Madrid. Isso não assusta, nesta altura. Isso é só normal. O que assusta é a forma como hoje as pessoas lidam umas com as outras. E nos aeroportos, tanto em Lisboa como em Madrid, senti o efeito do medo. Senti aquilo que este medo está a fazer às pessoas, por viverem esta situação de pandemia há tanto tempo.

As pessoas têm medo de ser simpáticas. 

Têm medo de se dar ao outro, e, com isto, refiro-me simplesmente a lidar com a outra pessoa. Se já estão a cumprir as regras de segurança – se têm a máscara bem colocada, se têm luvas (caso estejam a manipular alimentos), se estão protegidas pelos acrílicos e por tudo aquilo que impede um contacto mais próximo com outro ser humano – não há razão para esse contacto ter passado a ser mais frio e distante que o próprio acrílico que nos é imposto.

Não tenham medo de mim!

Para além desta frieza, senti um real receio das pessoas. Ficou-me marcado o momento em que me aproximei de uma funcionária do aeroporto de Madrid para lhe colocar uma questão. Eu ainda estava a muito mais do que dois metros de distância e ela já gritava e gesticulava com as mãos no ar: “Para! Para!”. Imediatamente perguntou-me: “O que quer?”. E eu fiquei chocada. Só lhe ia perguntar se aquele era o único café aberto em todo o aeroporto porque, na verdade, só existia um para tantos passageiros. Mas, como em Lisboa existiam muitos mais, eu apenas ia confirmar. Porém, a senhora gritou como se eu fosse suspeita de algo criminoso, como se estivesse a fazer uma coisa profundamente errada, quando só ia educadamente perguntar-lhe se aquele era o único café aberto. E isto, sim, é assustador.

Este é também um dos efeitos da COVID-19. 

Já se falou dos efeitos da pandemia na saúde mental e de uma série de outras consequências, mas esta também é uma consequência real. Muitas pessoas desaprenderam de comunicar umas com as outras de forma natural, de forma simpática e passaram a ser robots. Ou seja, elas dão simplesmente as informações que lhes são pedidas e a parte verdadeiramente humana, que é olhar e escutar verdadeiramente o outro, ser simpático, disponível, empático, perdeu-se. E não há razão para isso. A pandemia não nos impôs isso.

Não tenham medo de cada um de nós. Continuamos a ser pessoas.

Que é uma consequência da pandemia, diria que é compreensível, mas eu não quero que seja natural. Deveria ser um alerta. Eu não quero deixar de ser simpática por ter uma máscara. Eu não quero deixar de ser disponível porque tenho uma máscara. Eu não quero deixar de querer ajudar o outro por ter de manter a distância de 1,5m. E é isto que me leva a dizer: “Não tenham medo de mim!”. Não tenham medo de cada um de nós. Continuamos a ser pessoas. E quanto mais capacidade tivermos de manter a proximidade apesar da distância física, mais fortes seremos para combater esta pandemia.

Nota: Fotografia por Frederico Martins

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