O prazer e a felicidade: farinha do mesmo saco?

Ana Caetano // Fevereiro 5, 2020
Partilhar

O Carlos tem tudo o que se possa pedir: um bom emprego, uma família bonita, um bom carro, viagens a sítios exóticos e um telemóvel topo de gama. Não tem razões para se queixar da vida, no entanto experiencia momentos de profunda dor durante a semana. Normalmente umas bebidas ajudam a “afogar as mágoas”, mas ultimamente tem de afogar cada vez mais mágoas, tornando-se o álcool um misto de prazer, e mal-estar. O pedido dele na consulta é simples: quer reduzir o consumo de álcool para que este continue a ser um prazer e alcançar um estado de maior bem-estar… quer converter a inveja que sente daqueles que estão felizes, em ambição para sentir a sua felicidade. 

Converter a inveja que sente daqueles que estão felizes, em ambição para sentir a sua felicidade?

É muito comum este pedido nos consultórios. Um dos primeiros passos no processo psicoterapêutico será distinguir o prazer da felicidade. A psicoeducação nestes casos passa por diferenciar o que encontramos nos momentos prazerosos e no estado de felicidade.

O que é o prazer?

O prazer decorre da ativação que um estímulo externo provoca no nosso corpo: momentâneo e vivido na primeira pessoa. Assim, uma refeição saborosa, acompanhada de um bom vinho, é um excelente exemplo de prazer. Para continuarmos a ter prazer temos de acrescentar estímulos para manter essa sensação, correndo o risco do prazer se converter num vício: a partir de determinada altura somos prisioneiros destas sensações e o prazer escapa-nos.

O que é a felicidade?

A felicidade é um estado continuado de bem-estar, em que a ligação aos outros é fundamental, o propósito de vida essencial, mesmo que atravessemos momentos dor física e emocional.

O nosso cérebro regista o prazer e a felicidade em locais diferentes.

Interessante notar que o nosso cérebro regista o prazer e a felicidade em locais diferentes, sendo o primeiro localizado no sistema límbico, relacionando-se principalmente com a libertação de um neurotransmissor, a dopamina. A felicidade está relacionada com outro neurotransmissor, a serotonina que tem uma libertação difundida por várias zonas no cérebro.  

Prazer vs felicidade

Feita esta distinção, a pessoa que quer converter a inveja em ambição na conquista da sua felicidade, precisa de olhar de forma alargada para o que apaixona e dá sentido ao que vive. As ligações ao exterior são fundamentais: pertença a uma comunidade, envolvimento numa causa ou o desenvolvimento de um projeto, contribuem para diluir a solidão, principalmente a solidão na presença de outros. Este é um dos fatores fulcrais na transição do modo de busca de prazer pelo prazer, para a construção do experienciar a felicidade. 

A solidão interna alimenta a vergonha (não ser bom o suficiente), a culpa indevida por coisas sobre as quais não temos controlo, aumentando a ansiedade. Muitas vezes para atenuarmos esta ansiedade, culpa e vergonha recorremos aos prazeres: comemos, bebemos ou trabalhamos cada vez mais porque não alcançamos o estado de satisfação com quem somos. E assim, tal como o Carlos, podemos ter tudo e saborear alguns prazeres, mas o bem-estar não permanece e sentimo-nos à deriva. Esta sensação pode contribuir para nos sentirmos ingratos ou culpados por nos queixarmos, aparentemente, sem razão. Assim, aumenta a nossa sensação de ansiedade que, por sua vez, nos induz no erro de procurar mais alívio dessa sensação pela busca de prazer, deixando um vazio após a ausência de estímulos.

É fundamental tomar consciência do que nos dá prazer e viver esse prazer.

Mas, também é essencial preparar-nos para um caminho a longo prazo na construção do bem-estar. E assim o Carlos terá de perceber o que o alimenta no longo prazo, ampliando a sua atenção para lá do prazer imediato.

Como dizia Epicuro:

Porque não são nem as bebidas e os banquetes contínuos, nem o prazer do trato com as mulheres, nem o júbilo que dão o peixe e a carne com que se enchem as mesas sumptuosas que ocasionam uma vida feliz, mas hábitos racionais e sóbrios, uma razão buscando incessantemente causas legítimas de escolha ou de aversão e rejeitando as opiniões suscetíveis de trazerem à alma a maior perturbação.”

Ler mais

Social Media

Copyright © 2023 Simply Flow. Todos os direitos reservados.

Este site utiliza cookies para melhorar a sua experiência. Aceitar Saber mais