Quando é que alguém chega ao ponto de querer tirar a própria vida?

Diogo Telles Correia // Setembro 10, 2020
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O comportamento suicida pode ser classificado em três categorias diferentes: ideação suicida (pensar em suicídio), tentativa de suicídio (passar ao acto e tentar suicidar-se) e suicídio consumado (uma tentativa de suicídio que termina em morte). Em termos de gravidade no extremo de menor gravidade situa-se a ideação suicida (que pode ir desde os pensamentos de morte até à intenção suicida estruturada com ou sem planificação suicida) e do outro o suicídio consumado, permanecendo a tentativa de suicídio entre estes dois. Ou seja, um indivíduo pode pensar em suicídio sem o vir a tentar ou consumar. As características dos pensamentos neste âmbito podem ser diversas, por exemplo, uma pessoa pode pensar apenas na morte como solução para os seus problemas ou pode ter já na mente planos para cometer o suicídio. Quando o paciente passa ao acto, tentando o suicídio, pode morrer, falando-se aqui de um suicídio consumado ou, pelo contrário, este pode não resultar em morte.

A morte por suicídio é frequente em Portugal? E no mundo?

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), 800.000 pessoas morrem por suicídio e muitos mais tentam suicidar-se, mas sem sucesso. É a 15.ª causa de morte em todas as idades e a 2.ª causa de morte dos 15-29 anos. Nalguns países em particular estas percentagens são mais alarmantes. Nos Estados Unidos da América (EUA), por exemplo, o suicídio é a 10.ª causa de morte, 44.193 americanos por ano morrem por suicídio e por cada suicídio consumado há 25 tentativas falhadas.[1] As taxas de morte por suicídio em Portugal são consideradas médias/baixas em comparação com os outros países, sendo de 9,6 por 100.000 habitantes.[2] Não deixa de ser curioso que Portugal, sendo dos países com maiores taxas de depressão na Europa e em todo o mundo, seja daqueles com níveis mais inferiores em termos de taxa de suicídio. Faz-nos pensar na resiliência característica do povo português que desde tempos idos tem sofrido grandes provações, mas tem conseguido ir resistindo com seus “brandos costumes”.

Em que circunstâncias a pessoa pensa em matar-se?

De acordo com a Associação Americana de Suicidologia, a depressão está presente em pelo menos 50% dos casos de suicídio e o risco de ocorrer suicídio numa pessoa com depressão é 25 vezes superior ao da população em geral.[3] Portanto, quando alguém pondera ou tenta o suicídio está em grande parte dos casos a sofrer de uma depressão muito grave, que se for tratada para esta condição psiquiátrica pode libertar-se destas intenções. Digo, sem dúvidas, que muitos dos suicídios poderiam ser evitados se as pessoas fossem atempadamente ao psiquiatra. Por outro lado, tenho a certeza absoluta que em determinadas situações que me passaram pelas mãos se eu não tivesse tido uma atuação terapêutica imediata, e que em grande parte dos casos inclui medicação e psicoterapia, os pacientes sairiam do meu consultório para tentar o suicídio, e muitos morreriam. Portanto, tratar uma depressão pode significar salvar uma vida.

Podemos saber de acordo com a forma que o indivíduo pensa sobre a morte se ele vai realmente tentar matar-se?

Não existe uma fórmula mágica que nos permita adivinhar com certeza se uma pessoa que pensa em suicídio se vai realmente tentar matar ou não. No entanto, há algumas questões que temos de investigar e que nos podem ajudar a calcular a probabilidade da tentativa de suicídio realmente acontecer.

É importante sabermos em que contexto é que surgem estas ideias. A pessoa está realmente deprimida ou pensa na morte no âmbito de uma reflexão existencial? Existiu um acontecimento real recente que tivesse desencadeado um período de maior agravamento da depressão (morte de um ente querido, ruptura amorosa, etc.)? A pessoa pensa persistentemente na morte ou é algo muito esporádico? O paciente tem acesso a possíveis métodos/instrumentos para cometer o suicídio (por exemplo, tem acesso a armas de fogo ou armas brancas)? O paciente é impulsivo, tem dificuldade em controlar-se nos momentos de maior angústia…? Não há nada que prenda a pessoa à vida (família, religião, etc.)?

É importante também que pesquisemos outros aspectos. Está provado que o suicídio consumado ocorre com mais frequência em homens, com mais de 45 anos, que vivem em solidão (separados, viúvos, sem amigos), e que frequentemente estão desempregados ou têm doenças crónicas limitantes. Estes são todos factores que aumentam a probabilidade da pessoa pôr termo à sua vida. Não significando que esta situação não possa ocorrer em pessoas de outro tipo de perfil.

A pessoa que tenta suicidar-se quer sempre morrer?

O objectivo que leva à tentativa de suicídio nem sempre é realmente querer morrer, por incrível que pareça. Nestes casos fala-se no «para-suicídio». Aqui, é mais frequente o «querer descansar», «querer fazer ver que fui abandonado/a», «vais-te arrepender». Muitas vezes há uma tentativa de manipulação do ambiente. Frequentemente ouvimos falar de pessoas que “tomam vários comprimidos” à frente dos parceiros de forma a que eles vejam e mudem as suas atitudes.

Então, perante alguém que aparentemente tentou matar-se, como podemos saber se a motivação era morrer ou era chamar a atenção?

Muitas vezes não é fácil, mas há alguns aspectos que apontam para essa situação.

Se o método que a pessoa utilizou for mais letal (uso de armas, enforcamento) é mais provável que se trate de uma verdadeira tentativa de suicídio, a pessoa queria realmente morrer. Da mesma forma, se a pessoa comete o acto isolada (sem ninguém estar a ver) e efetuar atos preparativos (como, por exemplo, escrever uma carta de despedida, fazer um testamento, começar a juntar comprimidos, comprar munições para o revólver, etc.) existe uma maior probabilidade da pessoa procurar verdadeiramente a morte.

Depois em termos de características pessoais, sabe-se que ao contrário das tentativas de suicídio cujo objectivo é realmente morrer, os actos de para-suicídio em que existe uma componente mais apelativa (de transmitir uma mensagem) do que realmente a vontade de morrer, são mais frequentes em mulheres e em jovens.

O que fazer se temos alguém perto de nós que quer pôr termo à vida?

Quase sempre o suicídio surge em contexto de doença mental prévia. Os pensamentos sobre o suicídio podem surgir em ⅔ dos casos de depressão e o suicídio pode ocorrer em 15%.

Por outro lado quando a depressão é tratada, as pessoas geralmente melhoram, conseguem ver o mundo e a sua vida com outros olhos, mais realistas e mais esperançosos, por isso deixam de ser assoladas pelas ideias de suicídio, arrependendo-se muitas vezes de as ter tido e das tentativas que possam ter ocorrido no passado.

Assim, é essencial que recomendemos a estas pessoas que recorram aos profissionais de saúde mais especializados para tratar as situações de doença mental moderada a grave: os médicos Psiquiatras. Estes profissionais instituirão tratamento que pode passar por medicação (que hoje é muito bem tolerada e pode salvar vidas!), e a psicoterapia.

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