Será que ainda sabemos comunicar pessoalmente?

Fátima Lopes // Julho 12, 2020
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Desde Março que toda a nossa vida mudou. Passámos a ficar confinados nas nossas casas grande parte do tempo e, como é óbvio, isso limitou e muito as nossas relações pessoais. Pergunto-me este tempo todo depois, se precisamos reaprender a comunicar presencialmente.

Com excepção das pessoas que vivem em nossa casa, desde o confinamento que toda a comunicação passou a ser feita através do digital – das redes sociais, das videochamadas. Passámos a comunicar com as pessoas com quem trabalhamos e com as pessoas que compõem o nosso universo afectivo – os nossos amigos, a nossa família – através das novas tecnologias, não de forma pessoal, presencial. E isso sorrateiramente foi-nos destreinando para o contacto pessoal e para a comunicação pessoal e directa.

Cumprimentar ou não cumprimentar, eis a questão.

Quando agora reencontramos alguém que não víamos desde Janeiro, Fevereiro, Março, deparamo-nos logo com uma primeira dificuldade: não podemos cumprimentar como sempre o fizemos – com um abraço, um beijo – e  temos de nos cingir aos novos cumprimentos do cotovelo ou do pé.

Depois não podemos tirar as máscaras, logo parte do nosso rosto, que também comunica, não está disponível e, portanto, restam os nossos olhos.

Por último, como estivemos muito tempo a comunicar através de um ecrã, que não deixa de ser um filtro, uma espécie de protecção, há muitas coisas que foram ditas porque a pessoa não estava perto de nós. Agora, quando o reencontro físico acontece, nota-se em alguns casos que as pessoas não conseguem assumir as coisas que disseram. Às vezes até deram alguns passos muito importantes pelo facto de terem o tal filtro, algo mais evidente nas pessoas muito tímidas e nas pessoas que têm dificuldade em comunicar o que estão a sentir e/ou a pensar. O que frequentemente se constata é que são pessoas que têm muito medo de serem julgadas, avaliadas. Ou seja, essas pessoas ficaram um bocadinho mais libertas porque tinham ali um intermediário que se chamava ecrã e este ecrã fazia com que sentissem que não estavam em risco e que podiam arriscar um pouco mais, partilhando aquilo que sentiam e aquilo que pensavam. Mas depois, quando voltam a estar presencialmente com as pessoas, nota-se que por vezes estão aflitas, ou seja, estão desconfortáveis porque sabem que deram um passo e agora pessoalmente têm dificuldade em gerir os efeitos do mesmo.

Há também outras pessoas que ficaram efectivamente destreinadas nesta conversa pessoal. Quase que parece que perderam o jeito, como se já não soubessem ler os outros.

Há, efectivamente, uma dificuldade na comunicação presencial.

Nota-se que há esta dificuldade na comunicação presencial porque as pessoas sabem que não podem tocar, que não se podem aproximar, que tudo o que é body language está muito condicionado. Vamos precisar de algum tempo para reaprender a comunicar presencialmente mesmo que seja com a máscara porque, caso contrário, acabaremos por voltar a ficar privados do que acontece quando duas pessoas se encontram ao vivo e a cores. E esta comunicação olhos nos olhos é extremamente valiosa, é muito importante para todos nós.

Temos todos de estar atentos para nos ajudarmos mutuamente.

Estejamos atentos para que possamos ajudar quando percebermos que alguém está com dificuldades acrescidas neste voltar a estar com o outro e comunicar presencialmente. Ajudar de forma a que rapidamente consigamos não só voltar a comunicar, mas até a fortalecer o caminho daqueles que fizeram deste distanciamento uma oportunidade para dar passos na sua comunicação com os outros. Fazer do período do confinamento uma oportunidade para se expressar melhor, conseguindo partilhar aquilo que não tinha feito até aí e até ser mais assertivo e directo, é uma enorme evolução.  Vamos ajudar essas pessoas para que agora não haja um voltar atrás e sejam, sim, passos efectivos e eficazes.

O reaprender a comunicar presencialmente após o confinamento não tem de ser uma coisa negativa. Pelo contrário. Pode ser uma grande oportunidade de nos levar para um patamar superior. Neste momento, preocupa-me ver tantas pessoas aparentemente desajeitadas na forma de comunicar pessoalmente, por já não estarem habituadas. Mas acredito que se tivermos essa consciência, também podemos fazer deste momento um momento de evolução.

Nota: Fotografia por Verónica Silva

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